domingo, outubro 04, 2009

Eu queria mudar só uma coisinha...


Normalmente é assim que começa nosso papo mulherzinha. Basta que uma diga que está fazendo tal tratamento de beleza, que vai fazer tal intervenção cirúrgica (mas coisa simples, sabe, no próprio consultório) e alguma de nós logo solta esta frase: "ah, eu só queria mudar uma coisinha aqui ó..."
Pra minha felicidade (daquelas que só se percebe com o passar do tempo), fui uma pré-adolescente bem baranga: gordinha, sem curvas definidas, óculos, cabelos encaracolados, numa época em que a Helena da Tais Araújo não tava na moda, em suma, totalmente fora dos padrões. Chatíssimo pra autoestima, mas (e esse "mas" justifica o texto), Deus, em seu poder e bondade, me dotou de uma certa capacidade de perceber a tempo que das duas umas: ou sentava e chorava ou descobria outros talentos pra apresentar ao mundo. É duro na pré-adolescencia, descobrir um talento que concorra com a beleza do padrão vigente, mas descobri antes de querer cortar os pulsos, que melhor que namorar o bonitão era ser a melhor amiga dele. Era um poder danado saber tudo sobre aquele a quem todas queriam. E eis que um dos bonitões da época ficou a fim de mim? O que eu fiz? disse: não, desculpa, mas não rola. (como se eu não quisesse, na verdade, nem me dava o direito de querer. Corri apavorada!!!). Os livros eram meu divã e lá vinha Clarice Lispector me explicar o inesplicável, e dá-lhe de Jorge Amado à bula de remédio. Ler era mais do que uma necessidade, era um vício. Mas o tempo passou e depois que você vem de uma realidade de ser "fora dos padrões", qualquer melhorazinha é lucro. Por isso, hoje vou a praia sem constrangimentos apesar de estar longe (muito longe mesmo) de ser mulher fruta. Celulites? nenhum desespero em percebê-las comigo, são velhas conhecidas e tudo o mais que hoje aflige terrívelmente as amigas da minha faixa etária. Estou 100% contente com meu corpo? não, mas o que gostaria de mudar mesmo é algo que não está visível no corpo, é esta eterna fome de vida que nunca sacia e que me faz achar que vivo sempre numa realidade três graduações abaixo do que me seria ideal. É esta eterna insatisfação que me deixa um buraco no peito, entre uma gargalhada e outra, entre uma sensação de felicidade e a próxima, mas, ok, vou vivendo e me virando e quanto a meu corpo eu confesso: Eu bem que queria mudar só uma coisinha...